O menino estourou pela porta do carro
Cambaleou
Tropeçou
Mas não caiu
Ele riu mais do que todo mundo
Eu não ri, mas sorri orgulhoso
Ao ver o menino tropeçando
Pois tropeçar é preciso
E dizer “não”
É preciso dizer não
À precisão do passo
À falsa segurança que sequer nos livra
Do despudor do embaraço
E ninguém soube e nem jamais saberá
Que menino estava feliz
Talvez por saber que por um triz
Recuperou o passo
Desafiou o compasso e
Fez aquilo que faz o ser humano ao ser humano
Dizendo não a quem exige compreensão
-quem berra, perde a questão
Dizendo não assim
Ao terrorismo da razão
Fazendo compreender
O menino fez a si compreendido
Só isso faz sentido para quem vive a favor da vida
E eu sei que ele há de acordar por dias, infeliz,
E dolorido
Eu também hei, haveremos todos
Mas que saiba o menino e que eu não me esqueça
Que a vida recompensa
Quem faz ou quem fez
De acordo com o que se pensa
Quem respeita as estações
Quem não repete orações
Viver é uma forma de oração
Quando se permite tropeçar
Quando se aprende a dizer sim ao sim
E não ao não
Eu vi o menino estourando pela porta do carro
Na contramão
Se colocando ao quase-cair em sintonia com o que o universo conspirou
O que o viver de cada um acumulou
Até virar a sabedoria que se tangencia
Entre o anoitecer
E o raiar de um novo dia
E que se coloca disponível a quem se permite sonhar
A quem se permite não estar sempre tão certo
A quem respeita o incerto e entende que nem tudo é o que parece
Nem tudo o que sobe desce
Quem se atreve
A desafiar a gravidade
Sabe e entende
O que é ser leve
E que o menino releve e compreenda que sim de fato faz sentido
Sonhar acordado
Ser meio tarado e viver por um triz
Infeliz quem não espera que a vida o desafie
Naquilo que cegamente confie
Naquilo que sonhou
Naquilo que quis
Drigo